O que é ensino religioso não confessional?

Breve histórico do Ensino Religioso não confessional no Brasil

O Ensino Religioso (ER) no Brasil é marcado por sua evolução de um modelo confessional, predominantemente católico, para uma abordagem plural e não confessional. Essa trajetória reflete tanto a herança histórica da colonização portuguesa quanto os desafios contemporâneos de uma sociedade pluralista.

No período colonial, a educação foi amplamente controlada pela Igreja Católica, em um esforço de evangelização das populações indígenas e africanas. O ensino da religião  era uma ferramenta de catequização e controle social. Com a Proclamação da República, em 1889, o Estado brasileiro introduziu  o princípio da laicidade, separando Igreja e Estado. A Constituição de 1891 excluiu o ER do currículo escolar como disciplina obrigatória, mas sua reinserção ocorreu de forma facultativa em 1931, resultado de articulações da Igreja Católica (CECCHETTI ; SIMONI, 2019).

A Constituição de 1934 e de 1946 reafirmaram a obrigatoriedade do ER no currículo escolar, mas com caráter facultativo para os estudantes. Apesar de formalmente laico, o Estado permitiu que uma disciplina fosse ministrada de forma confessional, baseada na fé predominante da comunidade escolar. Essa prática prevaleceu até a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), de 1961, que continuou a permitir o modelo confessional.

A Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, trouxe mudanças significativas ao estabelecer que o ER fosse oferecido como disciplina obrigatória nas escolas públicas, mas de matrícula facultativa, em respeito ao princípio da laicidade. Essa disposição buscou contemplar a diversidade religiosa crescente no Brasil e combater práticas proselitistas. A Lei nº 9.475/1997, que alterou o artigo 33 da LDB, foi um marco nesse sentido, consolidando o ER como um espaço de estudo da diversidade cultural religiosa em suas múltiplas manifestações, sem preferências específicas (MARIA; PAZZA; CECCHETTI, 2019).

A década de 1990 foi crucial para a consolidação do ER não confessional. O Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso (FONAPER), criado em 1995, liderou a formulação de um modelo pedagógico centrado na compreensão desvinculada de dogmas ou doutrinação. Os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Religioso (PCNER), modificados em 1997, estabeleceram diretrizes que consideravam o ER como uma área de conhecimento da Educação Básica voltada ao diálogo inter-religioso, ao respeito da diversidade religiosa e à promoção da cidadania plena(FONAPER, 2015).

Com a homologação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) em 2017, é ratificado a concepção do ER como uma das áreas do conhecimento na Educação Básica, responsável pelo estudo das diversas tradições religiosas, filosofias de vida e cosmovisões. A BNCC orienta que o ER promova a reflexão ética, o respeito às diferenças e a convivência harmoniosa em uma sociedade plural. Essa visão também está presente no Currículo Base do Território Catarinense (CBTC, 2019), que busca traduzir as diretrizes da BNCC às realidades locais do Estado de Santa Catarina.

O CBTC compreende o ER como um espaço de aprendizagem que valoriza a diversidade religiosa e cultural de Santa Catarina, com um enfoque específico na promoção do diálogo e na construção de uma sociedade inclusiva. O currículo enfatiza a necessidade de preparar o estudante para compreender as manifestações religiosas e filosóficas como características culturais e históricas. Além disso, o CBTC reforça o papel do ER na formação integral do estudante, estimulando a empatia, o pensamento crítico e o respeito mútuo (SANTA CATARINA, 2019).

Apesar dos avanços ocorridos, o ER enfrenta desafios, como a resistência de setores confessionais e a falta de formação específica de professores para atender a demanda existente nas redes de ensino. Em muitos casos, a implementação de um ER verdadeiramente plural e laico depende do fortalecimento das políticas públicas e da oferta de formação continuada para os educadores. Além disso, há a necessidade de superar preconceitos históricos e promover uma abordagem que vai além do reconhecimento das tradições religiosas, integrando o estudo das filosofias de vida e das expressões culturais que não possuem vínculos religiosos.

Sendo assim o ER  não confessional no Brasil representa uma conquista significativa no contexto da educação pública, alinhando-se aos princípios de um Estado laico e democrático. Quando bem trabalhado epistêmica e metodologicamente,  o ER não confessional   promove o respeito à  diversidade cultural e religiosa, e contribui com a formação   para uma convivência harmoniosa em um mundo cada vez mais interconectado e plural.

Referências
  • BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado, 1988.
  • BRASIL. Lei nº 9.475, de 22 de julho de 1997. Altera a redação do art. 33 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Brasília, 1997.
  • BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2017.
  • CECCHETTI, E.; SIMONI, JC Ensino religioso não confessional: múltiplos olhares. São Leopoldo: Oikos, 2019.
  • FONAPER. Carta de Princípios. São Leopoldo: Nova Harmonia, 2015.
  • MARIA, MRC; PAZZA, NMV; CECCHETTI, E. O FONAPER e o Ensino Religioso não confessional no Brasil.
  • SANTA CATARINA. Secretaria de Estado da Educação. Currículo Base do Território Catarinense. Florianópolis: SED, 2019.