Panorama Geral das Políticas Educacionais do Ensino Religioso no Brasil

O Ensino Religioso (ER) no Brasil espelha a conexão histórica entre educação e fé, predominantemente influenciada pelo cristianismo católico, em vários períodos históricos. As políticas educacionais direcionadas ao ER acompanharam as transformações políticas, sociais e culturais do país, oscilando entre a oficialidade do ensino da religião confessional e a procura pela laicidade, resultante do crescente processo de secularização.

Desde a chegada dos jesuítas em 1549, o catolicismo desempenhou um papel crucial na formação educacional do Brasil. As escolas jesuíticas tinham como objetivo evangelizar indígenas e africanos escravizados, disseminando a fé católica e os costumes europeus. Esta educação era predominantemente etnocêntrica, desconsiderando as crenças e saberes dos povos indígenas e africanos, tratados como sem alma, selvagens ou seres inferiores. Durante esse período, a estreita relação entre o Estado e a Igreja levou à oficialização do catolicismo como religião oficial na Constituição do Império de 1824.

A Constituição do Império do Brasil, promulgada em 1824, estabelecia o seguinte em seu artigo 5°:

A religião católica apostólica romana continuará a ser a religião do Império. Todas as outras religiões serão permitidas com seu culto doméstico ou particular, em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior de templo. (Constituição do Império do Brazil, 1824).

A Proclamação da República, em 1889, resultou na separação oficial entre Igreja e Estado. A Constituição de 1891 instituiu o ensino público secular, extinguindo o ER nas instituições de ensino público. No entanto, as entidades confessionais persistiram na oferta de disciplina. Esta fase reforçou o princípio da laicidade do Estado, apesar das resistências de segmentos religiosos, particularmente da Igreja Católica.

Durante o governo de Getúlio Vargas, em 1931, o ER foi reintroduzido nas escolas públicas, embora de forma facultativa. A Constituição de 1934, em seu artigo 153, consolidou que a sua oferta devesse ser em conformidade com a fé dos estudantes, respeitando suas confissões religiosas. Esse período marcou uma reaproximação estratégica entre Estado e Igreja, com o ER servindo de estratégia para promover valores morais e religiosos alinhados aos interesses do governo e da Igreja Católica.  A Lei nº 4.024/1961, primeira Lei de Diretrizes e Bases (LDB)  incluiu o ER nas escolas públicas, com a ressalva de ser oferecido sem ônus para os cofres públicos.

No período militar (1964-1985), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) – Lei nº 5.692/1971 – incluiu a educação religiosa na matéria “Educação Moral e Cívica”, integrando os horários regulares das escolas públicas, porém mantendo a matrícula voluntária. Neste cenário, a educação religiosa se transformou em uma ferramenta de controle ideológico, em consonância com os princípios de moral e civilidade propagados pelo governo. Apesar de a matrícula ser facultativa, as aulas muitas vezes intensificavam a influência católica no sistema de ensino, fomentando uma perspectiva unificada e centralizada sobre valores religiosos e sociais.

O artigo 210 da Constituição de 1988 trouxe progressos notáveis, definindo o Ensino Religioso como matéria obrigatória nos programas do ensino fundamental, porém de matrícula facultativa. O documento enfatizou a neutralidade do Estado e a valorização da diversidade cultural e religiosa, proibindo a promoção de doutrinas. Esta nova visão possibilitou a reformulação da matéria, incluindo discussões sobre a pluralidade religiosa.

A Lei no 9.394/1996 (LDB) definiu o ER como um elemento essencial da formação básica do cidadão, destacando sua característica voluntária e proibindo o proselitismo. A Lei no 9.475/1997 alterou o artigo 33 da LDB, mantendo a obrigatoriedade da oferta por parte dos sistemas e redes de ensino e a matrícula facultativa ao estudante, além de definir que cabe ao ER promover o respeito à diversidade cultural e religiosa, aspecto que sinaliza a finalidade deste componente curricular na escola.

O Decreto nº 7.107/2010, que trata da  Concordata Brasil-Santa Sé, ratificou um acordo em que admite o ER católico e de outras confissões religiosas nas escolas públicas, como forma de reconhecer o papel histórico da Igreja Católica na educação do país, no entanto, embaraçando o papel formativo da escola pública enquanto espaço privilegiado da pluralidade e diversidade cultural e religiosa, sem proselitismo.

A Resolução CNE/CP nº 4/2010 e a Resolução CNE/CP nº 7/2010, que instituíram diretrizes curriculares para a educação básica e para o ensino fundamental de 9 (nove) anos, respectivamente, reconhecem o ER como uma das áreas de conhecimento da Educação Básica e, ao mesmo tempo, componente curricular do Ensino Fundamental. O status de área de conhecimento, portanto, elimina a possibilidade epistemológica e pedagógica do ER ser de caráter confessional, justamente porque, enquanto área, pressupõe a definição de um objeto de conhecimento, conteúdo específico e metodologia para o seu tratamento didático-pedagógico, imprescindíveis para o desenvolvimento de um processo de ensino-aprendizagem significativo e formativo do estudante na sua integralidade.

É neste sentido que a  Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2017), um desdobramente dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Religioso (PCNER, 1997) estabelecida pela Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017, definiu diretrizes para o ER, estruturando-se a partir de competências gerais, unidades temáticas, objetos de conhecimentos,  e em habilidades que promovem o respeito à diversidade cultural e religiosa, uma das formas mais eficazes para combater práticas de discriminação, intolerâncias e violências, em especial às religiões que mais tem sofrido, tais como as de matriz africana e dos povos originários.

Em Santa Catarina, o Currículo Base do Território Catarinense (CBTC, 2019) foi instituído pela Resolução CEE/SC nº 070, de 17 de junho de 2019, e teve por objetivo implementar as orientações gerais da BNCC acrescida dos aspectos regionais do território catarinense. Corrobora com o entendimento estabelecido no Decreto nº 3882, de 29 de dezembro de 2005, responsável por regulamentar o ER nas escolas de Ensino Fundamental da Rede Pública Estadual.  Para o ER, o  CBTC propõe  que ele seja uma área de conhecimento e componente curricular em que o estudante  desenvolva o respeito à diversidade cultural e religiosa, devendo ser de caráter  não confessional e não proselitista. Deve promover o diálogo inter-religioso e intercultural, a formação ética e cidadã e o respeito aos direitos humanos, contribuindo para o desenvolvimento de valores como a solidariedade e a justiça, além de ser crítico e reflexivo no estudo dos conhecimentos das  diversas tradições religiosas, a fim de desenvolver nos estudantes a sensibilidade, a empatia e responsabilidade ética.

Referências

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